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Exposição Semi-Automathic Sweet

Numa explosão de cores, representações de mandalas distorcidas, colagens, e armas exóticas, Vera Fonseka classifica as suas telas como espectáculo da cor e da condição humana. A artista pretende, na sua primeira exposição individual, retratar “as contradições da vida, sempre com uma dose de esperança”. Para isso, utiliza as cores sem pudor, numa tentativa de representar a condição humana, com todos os seus contrastes.

O inconsciente, masculino e feminino, e a necessidade do ser humano de possuir bengalas e fetiches para escapar à rotina, projetaram-se na utilização da mandala, “o círculo perfeito”, que Vera distorce e molda. “O inconsciente sempre me fascinou. No segundo ano do curso interessei-me pela obra de António Damásio, que fala da capacidade do nosso cérebro de mapear certas coisas da nossa vida. A mandala é algo que identifiquei como um mapa perfeito. Representa a nossa tendência para tentar estabilizar, ordenar algo que já sabemos que não vamos conseguir. Morremos sozinhos, mas tentamos sempre, desesperadamente, ordenar a vida. Esta mandala não existe, é uma fuga permanente”, explica. “Tentamos organizar a nossa vida através de rituais, e fui buscar o fetiche que é mais uma bengala da nossa vida. A mandala para mim é um fetiche”, sublinha.

“Nós não nascemos num sítio branco e perfeito e não pintamos a vida à nossa maneira”

Ainda na faculdade, Vera começou a utilizar camadas na tela, com materiais reciclados ou recortes de papel, porque “a pintura representa a vida, e a vida não começa do zero, do branco”. “Quando uma pessoa nasce, existem os pais, a casa, a tal ideia de karma de que as religiões tanto falam. Nós não nascemos num sítio branco e perfeito e não pintamos a vida à nossa maneira. Vamos adaptando-nos. E as minhas pinturas vão-se adaptando a camadas anteriores, para acrescentar esta ideia da história que nos é imposta”, explica.

As telas de Vera Fonseka são, por isso, um campo de trabalho onde não há espaço para o nada. “Na minha pintura não existe o vazio. Ele é simplesmente eliminado através do preenchimento total do espaço, e da sua organização, que me transmite mais harmonia do que o vazio”, afirma. A jovem artista utiliza a tela como espaço de reflexão e catarse. “A minha pintura representa a minha emoção daquele momento e isso reflecte-se na forma como utilizo os materiais. Faço muita reciclagem através de colagens. A tesoura é a minha maior amiga. Misturo técnicas, tecidos papéis, recortes, é quase um trabalho de arqueologia aplicado à tela”, explica.

Semi-Automatic Sweet

Com a série “Semi-Automatic Sweet”, em exibição na galeria António Prates, a artista reinventa as armas, elemento que associa à atual guerra na Ucrânia, que sente com proximidade, devido às suas origens. “As minhas pistolas são símbolos de esperança, são menos violentas. Para mim representam um fetiche, a força máxima do homem, que as utiliza para mostrar que é todo-poderoso, mas que, no meu trabalho, são adoçadas pelas flores, pelas cores e pela perfeição das mandalas. A doçura é algo que nos dá conforto, que nos preenche”, explica a artista. “Não pretendo chamar atenção para a guerra ou para a nossa fraqueza humana. Preocupo-me em descrever a sociedade em que vivemos, as nossas necessidades, as nossas dificuldades”, afirma.

 

Natural da Estónia, Vera Fonseka reside em Portugal há mais de dez anos. Licenciada em Artes Plásticas – Pintura, pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, em 2014, é atualmente mestranda em Desenho, ilustradora, e artista representada pela Galeria António Prates.

Texto Sónia Pinheiro

As Mandalas Pop da Vera Fonseka por Miguel Matos

Muito se tem falado desde sempre sobre a teoria de existir ou não uma arte feminina. Uma arte que tenha características especiais por ter sido realizada por mulheres. Além de todas as teorias que confirmam ou desmentem esta ideia, é minha convicção de que existe um lado feminista da arte, que pode surgir tanto em artistas homens como mulheres. Parece-me óbvio que existem características da feminilidade que são mais recorrentes na produção de mulheres artistas e é neste campo que situo os desenhos e pinturas de Vera Fonseka.

As obras desta que é a sua primeira exposição individual vivem numa êxistência paradoxal entre a delicadeza minuciosa dos detalhes e a brutalidade da iconografia utilizada em simultâneo. Entre as cores vivas que sobressaem num primeiro contacto com a obra e o lado sombrio da morte também presente na mesma. Poder-se-ia dizer que muita da bagagem cultural e pessoal de Vera está presente nas imagens que cria, mas também muito do seu presente. Isto encontra-se representado de forma simbólica nestes trabalhos desde os tempos mais conturbados nas suas origens russas, até as cores vivas com que introduz Lisboa como cenário, cidade pela qual se apaixonou perdidamente.

 

O percurso desta exposição é marcado por um patchwork de referências, lugares, imagens e personalidades que Vera Fonseka considera serem representativos da sua vivência atual, no seguimento de um trabalho anterior em que artista representava o seu passado como num mapa.Esta colagem de imagens roubadas é solidificada com o bordado colorido, presença vincada da feminilidade, da solidez dos sentimentos e das cores numa visão otimista da vida. Apesar das críticas que Vera imprime à sociedade atual, o seu trabalho não se situa numa atitude satírica ou iconoclasta.

 

A artista não pretende romper com o que quer que seja nem criticar o estado da arte contemporânea. Para isso já existem muitos outros artistas. Para Vera o que a move é a arte pela arte e não a arte pelo sistema ou contra ele. É a arte pelo prazer e pelo instinto de a seguir. Vera produz arte porque não pode viver sem ela. E a dedicação à arte como modo de vida é já em si um ato político. No centro de obras de Vera Fonseka vive uma estrutura que prende e alicerça todos os elementos que a compões-te: a mandala.  A mandala uma forma circular de representação do cosmos. Aliás, mandala é a palavra de sanscrito para "circulo". Uma estrutura de círculos e quadrados concêntricos que para Vera Fonseka serve o propósito de ordenação do caos do mundo em que vive, mais do que um simbolismo da dimensão espiritual. A mandala na obra de Vera Fonseka, é o compasso pelo qual a artista organiza no papel ou na tela os elementos e objetos visuais que repete e reproduz. Produz assim dinamismo, movimento e rotação nas suas peças. A partir deste centro explodem cores, linhas, texturas e ícones que parecem ter sido feitos no espírito do doodle, como se pode verificar, por exemplo, no trabalho de Joana Rosa. As texturas minuciosas e repetições de padrões encontram paralelos com pormenores presentes na obra de Raúl Perez, embora essa referência não seja consciente. Estas não são referências da artista, são teias de ligações artísticas mais ligadas à coincidência do que à ligações concretas.

O universo doméstico é uma realidade que aparece insinuada aqui e além nestas obras em elementos que apenas aparentemente são decorativos. Os conflitos da guerra surgem da mesma forma, quase inusitada numa violência que é coberta de cores, como numa alusão à Andy Warhol em atitude claramente pop. Pop também uma linguagem que se imiscui no seu trabalho, sob a forma do stencil, técnica típica de street art, apropriada neste caso para a pintura. O stencil, despojado hoje em dia de toda a vertente "street" é já um produto cultural, que Vera aproveita e inclui como mais uma técnica

 

Na produção de Vera Fonseka, o acaso é permanente no discurso da realização de cada desenho, de cada pintura. Vera não realiza estudos nem traça planos antes de lançar a tinta na superfície. Em dripping, pintura, desenho, risco, stencil, colagem, recorte e outras técnicas, é possível reconhecer formas de Lisboa (até mesmo a sardinha que para a Vera representa a alegria de Junho, mês da sua chegada à cidade), bombas de amor, máscaras anti-gás, pistolas pop, guitarras, tudo e mais uma eteceteras. Elementos autobiográficos de medo e amor, desde a Rússia até Portugal.

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